14. Como a eleição deve ser ensinada
A doutrina da divina eleição, segundo o mui sábio conselho de Deus, foi pregada pelos profetas, por Cristo mesmo, e pelos apóstolos, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, e depois escrita e entregue a nós através das Escrituras Sagradas. Por isso, também hoje esta doutrina deve ser ensinada no seu devido tempo e lugar na Igreja de Deus, para a qual ela foi particularmente destinada. Ela deve ser ensinada com espírito de discrição, de modo reverente e santo, sem curiosa investigação dos caminhos do Altíssimo, para a glória do santo nome de Deus e consolação vivificante do Seu povo.
Este artigo fala sobre o ensino da doutrina da eleição e defende que essa doutrina deve ser ensinada “no seu devido tempo e lugar na igreja de Deus, para a qual ela foi particularmente destinada”.
No passado, houve pessoas que defendiam que a doutrina da eleição poderia ser tratada nos livros de teologia sistemática, como As Institutas de João Calvino, mas não no púlpito, porque esse assunto era complicado demais. A pregação sobre esse assunto só iria causar confusão. Os pastores deviam usar o púlpito para pregar sobre a graça e chamar as pessoas para arrependimento e para seguir Jesus Cristo, não para explicar as partes mais profundas da doutrina cristã.
O Sínodo não concordou com essa ideia, e o motivo dos delegados foi que não devemos querer ser mais sábios que Deus, pois “segundo o mui sábio conselho de Deus, essa doutrina de eleição foi pregada pelos profetas, por Cristo mesmo, e pelos apóstolos, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, e depois escrita e entregue a nós por meio das Escrituras Sagradas”.
Então, em poucas palavras, a Bíblia ensina essa doutrina e por causa disso ela deve ser ensinada também na igreja, de acordo com o exemplo dos apóstolos. O apóstolo Paulo declarou aos presbíteros de Éfeso (Atos 20,27): “(…) porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus”. E em sua carta aos Gálatas (1,8) ele avisou aos irmãos para que não seguissem outro evangelho, diferente do evangelho que foi pregado por ele mesmo. Paulo disse “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema”.
A igreja de Cristo deve pregar todo desígnio de Deus. O primeiro dever do ministro da palavra, de acordo com a forma da ordenação dele, é: “ele deve proclamar claramente e inteiramente a Palavra de Deus à igreja que ele serve”. E os presbíteros são chamados para supervisionar a pregação dele.
Essas regras vêm da época da Reforma, em que vários pastores Remonstrantes não pregaram sobre a doutrina da eleição como deviam pregar.
Em muitos comentários antigos sobre os Cânones, o ensino da doutrina da eleição é limitado à pregação, e com certeza esse é um dos meios de ensino mais poderosos da igreja, porque pela pregação se atinge toda a congregação: jovens, adultos e idosos. Mas, hoje em dia, a igreja conhece também o ensino por meio das aulas de Catecismo e por meio dos Estudos Bíblicos. E existem igrejas que têm um ‘jornalzinho’, que pode ser usado para escrever pequenas meditações sobre a doutrina da igreja. E hoje em dia podemos também pensar no uso da Internet, como, por exemplo, a página que temos atualmente sobre os Cânones de Dordt.
Este artigo usa como exemplo o ensino dos profetas no Antigo Testamento. Tenho que dizer algo sobre isso e fazer uma pequena crítica, porque quando vamos procurar, na edição atual, qual é o testemunho dos profetas do Antigo Testamento sobre a doutrina da eleição, não vamos encontrar quase nada. Verifiquei isso e não encontrei nada. Não sei qual é o motivo disso, mas isso não combina com o que o Concílio escreveu aqui no art. 14. Porque se a igreja deve proclamar todo desígnio de Deus, ela não pode e não deve esquecer o que está escrito no Antigo Testamento. Em todo caso, podemos dizer que o Concílio estava consciente do fato de que o Antigo Testamento também fala sobre a doutrina da eleição, mas quando colocaram os textos para provar essa doutrina, se limitaram aos textos do Novo Testamento.
Quero dar alguns exemplos que demonstram que o Antigo Testamento fala, sim, sobre a doutrina da eleição. Veja os seguintes textos:
Dt 7,7: “Não vos teve o Senhor afeição nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito”;
Sl 33,11: “O Conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as gerações”;
Sl 73,24: “Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória”;
Sl 106,4: “Lembra-te de mim, Senhor, segundo a tua bondade para com o teu povo”;
Sl 139:16: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda”;
Is 46, 10: “Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o executarei”;
Estes textos são uma pequena seleção do Antigo Testamento. Deus passava pela história junto com Israel, executando a sua misericórdia, escolhendo e rejeitando povos e pessoas. A eleição de Deus no Antigo Testamento não se manifestou como decisão eterna feita antes da fundação do mundo, mas como escolha de Deus na história. A escolha de Abraão, Isaque, Jacó, Israel, e a casa de Davi para chegar ao nascimento do Messias, Jesus Cristo.
Art. 14 diz também: Ela deve ser ensinada com espírito de discrição, de modo reverente e santo, sem curiosa investigação dos caminhos do Altíssimo. Posso dizer muitas coisas sobre isso, mas quero me limitar a uma questão que faz parte da doutrina da eleição: a distinção entre o infra e supralapsarianismo.
O Sínodo das Igrejas Reformadas na Holanda, reunido em Utrecht no ano de 1905, fez uma declaração pacificadora a respeito do assunto: INFRA- OU SUPRALAPSARIANISMO
“A respeito do ponto ‘infra-’ ou supralapsarianismo, O Sínodo declara:
– que as nossas confissões conscientemente seguem a apresentação dos infralapsarianistas a respeito da doutrina da eleição, mas que é evidente, observando tanto as palavras de Capítulo 1, Art. 7 dos Cânones de Dordt, como também as deliberações dos delegados do Sínodo de Dordt, que isso, de jeito nenhum, tinha a intenção de excluir ou condenar a posição dos supralapsarianistas;
– que, por causa disso, não é permitido apresentar a visão supralapsarianista como se fosse a doutrina oficial das Igrejas Reformadas de Holanda, mas também não é permitido incomodar alguém que particularmente acredita na visão supralapsarianista, considerando que o Sínodo de Dordt não fez nenhuma declaração a respeito deste ponto discutido.
Finalmente, o Sínodo avisa que tais doutrinas profundas, que são muito distantes da compreensão das pessoas comuns, tanto quanto possível deveriam ser evitadas na pregação do púlpito, e se deve seguir a apresentação das confissões, tanto na pregação da palavra quanto no ensino do Catecismo.
Esta decisão se referia especialmente à posição doutrinária dos supralapsarianistas. Abraão Kuyper era supralapsarianista e acreditava que Deus, antes da queda (supra-lapsus), de fato já antes da fundação do mundo, tinha definido seu plano da salvação. Isso incluiu a criação, a queda do homem, a salvação em Cristo Jesus, o chamado dos eleitos, a justificação deles e a glorificação eterna. Esta linha de raciocínio não foi condenada, mas alguns supralapsarianistas no Concílio receberam admoestações para tomar muito cuidado para não chegar a dizer que Deus é o autor do pecado, porque isso seria uma blasfêmia. Muitas igrejas não concordaram com as ideias de Abraão Kuyper, dizendo que a linha de pensamento dele não era a linha das Igrejas Reformadas. O Sínodo de Utrecht concordou e apontou a linha infralapsarianista (Deus decidiu revelar o plano da salvação depois da queda (infra-lapsus) como doutrina oficial das igrejas, evitando a questão acerca da queda fazer parte do plano de Deus. Esse é um ponto de discussão, e essas discussões deveriam ser evitadas, tanto quanto possível, no púlpito.
“Senhor, o meu coração não é orgulhoso e os meus olhos não são arrogantes.
Não me envolvo com coisas grandiosas, nem maravilhosas demais para mim.
De fato, acalmei e tranquilizei a minha alma.
Sou como uma criança, recém-amamentada por sua mãe;
A minha alma é como essa criança. Ponha a sua esperança no Senhor, ó Israel,
Desde agora e para sempre!”.
- A Eleição nos leva à Adoração.
Muitas pessoas consideram a doutrina da eleição como um quebra-cabeça. Elas observam essa doutrina e pensam e pesquisam, porque não entendem; mas prestem atenção ao que Paulo faz quando trata dessa doutrina! Veja Romanos 11, 33-36:
“Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos!
Quem conhece a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?
Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense?
Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas.
A Ele seja a glória para sempre! Amém!”
- A Eleição nos leva à Santificação.
Veja Efésios 1, 4: “Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em amor na sua presença”. Os eleitos são chamados para mostrar uma vida em santidade e amor. Eles querem ser como o Pai no céu, que disse: Sejam santos, porque eu sou santo (1 Pedro 1,15-16). É impossível se glorificar na eleição e ao mesmo tempo viver no pecado.
- A Eleição nos leva ao amor.
Veja 1 João 4, 7-12.
- A Eleição não gera pessoas negligentes.
Esta é uma das críticas que os oponentes da doutrina da predestinação tinham: “A certeza da eleição torna os crentes negligentes”. Eles vivem como se estivessem no ônibus que os leva para a vida eterna; não precisam fazer mais nada. O destino já está garantido.
Do ponto de visto dos Arminianos, a vida dos reformados é assim, porque de acordo com a doutrina dos Arminianos nós devemos crer, devemos fazer boas obras, devemos ser zelosos para que Deus nos eleja; nada é certo. A eleição e a salvação dependem do esforço do nosso livre arbítrio. Quem não crê pode perder a sua salvação. Os Remonstrantes ensinam isso, e eles acham que a doutrina de Dordt cria pessoas negligentes. Porém o Sínodo rejeitou essa crítica, tanto aqui como também no Capítulo V, artigos 12 e 13.
- A certeza de preservação é um incentivo à piedade
A certeza de perseverança não faz, de maneira nenhuma, com que os verdadeiros crentes se orgulhem e se acomodem. Ao contrário, ela é a verdadeira raiz da humildade, reverência filial, verdadeira piedade, paciência em toda luta, orações fervorosas, firmeza em carregar a cruz e confessar a verdade e alegria sólida em Deus. Além do mais, a reflexão deste benefício é para eles um estímulo para praticar séria e constantemente a gratidão e as boas obras, como é evidente nos testemunhos da Escritura e nos exemplos dos santos.
- A certeza de que são preservados não leva ao descuido
Quando pessoas são levantadas de uma queda no pecado, começa a reviver a confiança na perseverança. Isto não produz descuido ou negligência quanto à piedade; em vez disto, produz maior cuidado e diligência para guardar os caminhos do Senhor, já preparados, para que, andando neles, possam preservar a certeza da perseverança. Quando fazem isto, o Deus reconciliado não retira de novo Sua face delas por causa do abuso da Sua bondade paternal (a contemplação dela é para os piedosos mais doce que a vida, e sua retirada mais amarga que a morte), e elas não cairão nos tormentos mais graves da alma (Ef 2.10).
Os profetas pregavam contra o descuido e a negligência: “Ai dos que andam à vontade em Sião” (Am 6,1): “Tremei, mulheres que viveis despreocupadamente; turbai-vos, vós que estais confiantes” (Is 32,11)”. Só os descrentes vivem assim. Só os hipócritas. Pessoas que falam sobre a sua eleição, mas não a praticam. O verdadeiro filho conhece o pai, e faz o que Ele quer.