CÂNONES DE DORDT 1,5: A CAUSA DA INCREDULIDADE E A FONTE DA FÉ
1.5. A causa da incredulidade e a fonte da fé
Em Deus não está, de forma alguma, a causa ou culpa da incredulidade. A culpa está no homem, tal como de todos os demais pecados. Mas a fé em Jesus Cristo e também a salvação por meio dEle são dons gratuitos de Deus, como está escrito: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus…” (Ef 2,8). Semelhantemente, “Porque vos foi concedida a graça de…” crer em Cristo (Fp 1,29).
Este artigo está ligado ao anterior, então é bom refrescar a memoria. Eu já disse anteriormente: os Cânones começam como a Bíblia começa. O início da Bíblia fala sobre a boa criação do homem e a queda do homem. “Todos os homens pecaram em Adão, estão debaixo da maldição de Deus e são condenados à morte eterna” (Art. 1). Deus não destruiu o mundo, porque ele amava o mundo. Ele o amava tanto que enviou o seu filho unigênito para salvar o mundo; para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Então, tem que conhecer Jesus e crer nele. E para que os homens sejam conduzidos à fé, Deus enviou mensageiros, que pregavam o evangelho de Cristo e chamavam as pessoas ao arrependimento (art. 3). Todo mundo sabe que a pregação tem um duplo resultado: há pessoas que aceitam o evangelho e começam a seguir Jesus, e há pessoas que não aceitam o evangelho e se recusam a seguir Jesus (art 4).
A respeito da fé em Jesus Cristo, a Bíblia nos revela que ela não é uma “semente”, que já está dentro do homem quando ele nasce. A Bíblia nos revela que o homem vivia nas trevas (Mt 4,16); a luz não estava dentro do homem, mas veio de Deus (João 1, 1-4). A luz resplandeceu nas trevas. A luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más (João 3,19), nem os seus o receberam (João 1,11), “mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem filhos de Deus, aos que creem no seu nome” (João 1,12). João diz algo que merece a nossa atenção. Ele diz: “a todos quantos o receberam”! Isso dá a impressão de que a salvação depende do homem, da boa vontade do homem, do livre arbitrio do homem. Os remonstrantes ensinavam isso. Veja a quarta heresia (p.28). Eles disseram: “A eleição para fé depende das seguintes condições prévias: o homem deve fazer uso adequado da luz da natureza, e deve ser piedoso, humilde, submisso e qualificado para a vida eterna”.
O Concílio refutou esse raciocínio da seguinte maneira (Vamos ler a refutação inteiramente, porque ela termina com o texto de Efèsios 2,8, que também é citado aqui no art. 5):
“Isso pode dar a ideia de que a eleição depende destas coisas! Isto tem o sabor do ensino de Pelágio e está em conflito com o ensino do apóstolo em Efésios 2,3-9: “ … entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo – pela graça sois salvos – , e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.”
Toda humanidade andava nas trevas e não tinha condições para se salvar ou justificar perante Deus. Paulo diz claramente: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus …”. A fé é um dom de Deus! Não vem de nós, mas do Espírito Santo, que planta a fé em nosso coração por meio da pregação da palavra. Como aconteceu com Lídia, a vendedora de púrpura (Atos 16,14). O texto diz: Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia”. A conversão é uma obra do Espírito de Deus. Quem quer ler mais sobre isso pode pular para os artigos de 9 até 12 dos capítulos III/IV dos Cânones!
A conclusão deste artigo é que a fé é um dom de Deus.
E a incredulidade? Há pessoas que dizem: “Quero crer, mas não posso. A fé ainda não foi dada a mim”. Existem hiper-calvinistas que pensam assim. Eles acreditam numa dupla predestinação. Algumas pessoas são predestinadas a crer e outras são predestinadas a não crer;
Alguma pessoas são predestinadas à salvação, e outras à perdição. Elas raciocinam da seguinte maneira: a fé é um dom de Deus, então a incredulidade é, também, causada por Deus! O concílio de Dordt rejeitou essa ideia!
Por causa disso, ele diz: Em Deus não está, de forma alguma, a causa ou culpa da incredulidade. A culpa está no homem, tal como de todos os demais pecados. A causa ou culpa da incredulidade está no homem! Veja o que Paulo diz, em Romanos 1, 18-21. “Porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato”. O homem, ativamente, se afastou de Deus. Ele não é uma vítima, que pode se justificar pela sua impotência. O problema não é impotência, mas má vontade, rebelião. Quem não aceita o Evangelho, não QUER crer. A Bíblia ensina isso claramente. Veja os seguintes textos:
Em Isaías 30:9 o Senhor falou sobre os Israelitas incrédulos e disse: Porque povo rebelde é este, filhos mentirosos, filhos que não QUEREM ouvir a lei do Senhor! E em vs. 15: “Assim diz o Senhor, o Santo de Israel: Em vos converterdes e em sossegardes, está a vossa salvação; na tranquilidade e na confiança, a vossa força, mas não o QUISESTES”.
Jesus disse aos Judeus (João 5, 39-40): “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não QUEREIS vir a mim para terdes vida”
E mais tarde ele disse a Jerusalém (Lc 13,34): Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apredrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o QUISESTES!”.
Então, a conclusão é esta: Em Deus não está, de forma alguma, a causa ou culpa da incredulidade. A culpa está no homem, tal como de todos os demais pecados. Os Remonstrantes acusaram os Reformados dizendo que a doutrina deles fez de Deus o Autor do pecado e, consequentemente, também da incredulidade. Eles disseram que isso seria consequência da doutrina reformada, mas prestem atenção que o Concílio rejeita essa acusação (veja também art. 15). A incredulidade é culpa do homem. Todos nós andávamos em trevas, mas pela graça de Deus a luz resplandeceu nas trevas e algumas pessoas receberam essa luz no seu coração. Não porque essas pessoas eram melhores ou mais justas, nada disso. O motivo está na misericórdia de Deus. Como Paulo diz: “Porque vos foi concedida a graça de …” crer em Cristo (Fp 1,29).
Quem não crê não pode se desculpar, dizendo: não recebi nada. Com certeza ouviu, mas recusou. E quem crê, sim, em Cristo Jesus, nunca se gaba da sua fé, porque ele sabe: foi só pela graça de Deus. Quem crê recebeu a luz no coração e foi renascido pelo Espírito Santo para a vida eterna. Quem está consciente da sua miséria e conhece a misericórdia de Deus deve admirar a maravilhosa sabedoria de Deus, como Paulo fez em Rm. 11, 33-36. Leia o texto e medite sobre cada palavra!
Ó, profundidade de riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos, e quais inescrutáveis os seus caminhos!
Quem, pois, conheceu a mente do Senhor?
Ou quem foi o seu conselheiro?
Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas.
A ele, pois, a glória eternamente.
Amém!